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terça-feira, 30 de junho de 2009

A LEI VAMPETA by Rodolfo Araújo

Jogadores de futebol são pródigos na arte de batizar anticomportamentos. Num comercial de cigarros da década de 1970, Gérson ganhou uma infame lei com seu nome. Quando jogou no Flamengo, em meio aos constantes atrasos de salários Vampeta saiu-se com essa pérola: “Eles fingem que me pagam e eu finjo que jogo”.

Relações frágeis, indefinidas e pouco claras tornam-se terreno fértil para a prática do “me engana que eu gosto”. A ausência de medidas objetivas de performance, acertadas a priori e observadas com rigor igualmente combinado, abre caminho para uma perniciosa relação de perde-perde, escondida sob um manto de ganha-ganha.

Mede-se a forma física pelo percentual de gordura, empenho e desenvoltura nos treinos específicos. Confere-se a efetividade pelo scout (passes certos, roubadas de bola etc.). Avalia-se a disciplina pelas punições em campo e cumprimento dos horários. Mas nada disso atesta se um jogador é bom ou não. Não se multiplica esses números pela quantidade de gols que ele faz – ou evita – para atribuir-lhe o valor do seu passe.

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De modo semelhante acontece nas relações entre as empresas que fazem negócio entre si: uma não sabe o que pede, outra não tem certeza do que entrega mas, como que por encanto, ambas parecem sair felizes ao final do contrato.

Compromissos são descumpridos, regras ignoradas e acordos violados, sem que isso afete a solidez dessas relações. Um pacto velado empurra prazos adiante, pulveriza previsões, soterra planejamentos.

Digamos que um projeto seja previsto para terminar em 80 dias. Se não ficar, levará mais 25. Ao final dos 105, projetam-se mais 50. Com cinco meses e meio de duração, mais quatro ainda serão necessários. Quanto mais você espera, mais precisará esperar.

Confesse: você já viveu isso. E o que fez? Provavelmente nada. Esperou e pagou a conta no final.

Quando elaboramos projetos em conjunto com prestadores de serviços atrelamos indicadores de performance durante o seu desenrolar e avaliamos a qualidade final da entrega. Confiamos em cronogramas baseados na infalibilidade das previsões de ambos os lados. Baseamos nossas expectativas em delicadas relações de causa e efeito, emaranhadas em sistemas complexos demais para darem absolutamente certo.

Ainda que precisemos definir tais métricas para aplacar nossa ansiedade – ou obedecer políticas corporativas – nossa própria experiência continuamente nega a validade desses acordos.

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Furos de projeto comportam-se como surpresas previsíveis, pois você reconhece que está diante de um problema que não se resolverá sozinho e tende a piorar com o tempo. Arrumá-lo pode ter um alto custo no presente, para um benefício incerto no futuro.

Tendemos a ignorar os prejuízos decorrentes da falta de atitude, mas prestamos grande atenção aos que acontecem quando agimos. Alie a isso uma irracional vontade de manter o status quo e uma pequena minoria beneficiada pela inércia de contratante e contratado e o resultado é uma conta que não fecha.

Mas se não podemos prever onde o projeto vai falhar, devemos ao menos ter a consciência de que ele, inevitavelmente, vai falhar. E um dos principais motivos dessa falha é a definição incorreta ou descasada dos resultados diretos (objetivo) e indiretos (escopo da entrega) do projeto.

Imaginando que o objetivo é o local onde você quer chegar ao completar o projeto, o escopo da entrega é o caminho percorrido. Para o mesmo destino é possível escolher entre o caminho mais longo, o mais curto, o acidentado, fácil de achar, íngreme, escorregadio, escuro, além de uma infinidade de atalhos* atraentes. Mas qual mesmo você escolheu? Aliás, você escolheu algum caminho ou só o destino?

Já que os contratos entre empresas baseiam-se no frágil equilíbrio entre orçamento, objetivo e prazo, vemos essa tríade fundir-se numa relação de soma zero, onde o desbalanço de um reflete-se nos demais. Com o orçamento limitado, um prazo inadiável e um objetivo inegociável, a margem de manobra recai sobre o escopo da entrega.

Você acaba recebendo o prometido, mas não da forma combinada. E, assim, as relações corporativas ficam pautadas por um viés de percepção que nos dá a falsa impressão de que recebemos aquilo pelo qual pagamos. Mas, novamente: todos temos evidências suficientes de que isso não é verdade.

Claro que não precisamos consertar o que não está quebrado, mas devemos rever nossas percepções sobre o que está quebrado. Chegar ao nosso destino final não significa que utilizamos, necessariamente, o melhor caminho. Nem, muito menos, que pagamos um preço justo pela passagem.



Rodolfo Araújo
Mestre em Administração de Empresas pela PUC-RJ, Pós-graduado em Tecnologia de Informação pela FGV-RJ e Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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